quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Abriram-lhe os olhos



«Era um pai de quatro filhos. Sofreu muito para sobreviver e para os educar. A sua esposa tinha morrido havia dois anos. Ele sempre se tinha queixado de tudo. E de tudo fazia uma tragédia. Agora - garantia ele - tinha razões de sobra para se queixar e para gritar: basta!
Há pouco mais de um mês uma serra tinha-lhe cortado um dedo. A polícia tinha apanhado um dos seus filhos a roubar droga para a vender e levaram-no para a cadeia. E agora, ele que gostava tanto de caminhar, tinham-lhe oferecido uns sapatos que lhe estavam apertados. Desgraça sobre desgraça. Já não podia mais.
Saiu de casa e começou a desabafar com o primeiro vizinho que encontrou: «Vou-me embora daqui, para bem longe, mas estes malditos sapatos…Deram-mos há oito dias, mas mal consigo andar com eles…». «Mas homem, disse-lhe o vizinho, depois de tos darem ainda lhes pões defeitos? Logo te habituarás, acontece o mesmo a todos».
Enquanto conversavam no passeio, tiveram que deixar passar um homem que vinha muito decidido e a cantar. Viram que lhe faltava uma perna!
Mais à frente entrou num bar. Enquanto tomava o seu cafezinho, ouviu dizer a um que também estava desesperado: «A minha mulher torna-me a vida impossível. Cai-me a casa em cima! E não tenho filhos em quem me apoiar. Os filhos consolam e alegram muito, embora dêem muitos aborrecimentos…». «Não sei o que é melhor - disse o outro, eu só tenho um filho. Era um encanto de rapaz. Um dia, fui dar com ele meio-morto na rua: uns mafiosos tinham-lhe dado uma grande sova. Confundiram-no com um sujeito qualquer e deixaram-mo totalmente inutilizado».
«Eu não gosto de falar de coisas tristes - acrescentou o dono do café, entrando deste modo na conversa -, todos temos muito de que nos queixar. A primeira coisa que deveríamos fazer era aprender a viver. Olhai para mim, com apenas meio-braço, deveria estar a queixar-me todo o dia?»
O nosso amigo, em vez de se ir embora para o campo, voltou para casa. Ia radiante a cantarolar… Até se esqueceu dos sapatos e do dedo!»

[AFONSO FRANCIA]

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