sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Onde se achará o amor que o tempo não enfraquece?



Tudo “muda” o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba, “nada, porém está tão sujeito á jurisdição do tempo como o amor”. São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que quanto mais continuadas tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos, com que o armou a natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira; embota-lhe as setas, com que já não fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo ter amado é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.
Estes são os poderes do tempo sobre o amor: mas sobre qual amor? Sobre o amor humano que é fraco; sobre o amor humano que é inconstante; sobre o amor humano que não se governa “pela” razão se não “pelo” apetite; sobre o amor humano que ainda quando parece mais fino é grosseiro e imperfeito. O amor a quem “mudou” o tempo bem poderá ser que fosse doença mas não é amor. O amor verdadeiro vive imortal sobre a esfera da mudança; e não chegam lá as jurisdições do tempo. Nem os anos o diminuem, nem os séculos o enfraquecem, nem as eternidades o cansam: «Omni tempore diligit qui amicus est», disse nos seus provérbios Salomão. Tão isento da jurisdição do tempo é o verdadeiro amor.
Porém um tal amor onde se achará? Só em vós, amante divino, só em vós.
[P. António Vieira]

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