segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Não ao chefe

Acabava de me levantar, quando o vi pelos vidros embaciados da minha janela. Eu, apesar de estar tão bem abrigado, tiritava de tanto aborrecimento. Ele não vinha só. Vinha à frente do seu pequeno exército de amigos voluntários.
Nunca tinha contemplado um chefe tão jovem e tão régio como ele...
Meus olhos cansados de sonhar sem dormir, esforçavam-se para não acreditar nesta visão heróica, tão oposta ao meu estilo de vida. Tremi de raiva cobarde quando reparei que ele me olhava...
Com voz forte, enquanto o seu olhar se mantinha docemente sobre mim, perguntou-me:
- Vens comigo?
Fiz como se não o tivesse ouvido e, dissimulando, disse qualquer coisa como:
- Eeeh...Quê?
A sua voz régia ouviu-se de novo:
- Perguntei se vens comigo?...
Gaguejando, respondi baixinho:
- Não posso...É que estou fechado...Sim, é que podes ver, fechado voluntariamente no belo e suave calorzito do meu ar condicionado...
Enquanto eu bocejava, a sua voz – a voz dele – ressoou majestosa, com a nobreza grande das cascatas eternas: Em marcha!!! Os seus soldados, decididos e voluntários, caminharam atrás dele sobre a brancura da neve pura. E as suas pegadas – as dele -, e as deles, ficaram marcadas profundamente, rasgando um caminho recto e novo para o sol.
Mas eu... eu, não. Preferi ficar aqui, detrás dos vidros embaciados, fechado docemente, comodamente, no calorzito próximo do meu ar condicionado privado.

[R. Tagore – adaptado]

Sem comentários: